O Coritiba apresentou (chegaremos ao “para quem” lá no final) a proposta do novo escudo do clube. Já de cara adianto que não vou entrar a fundo nos méritos da beleza da imagem. Pra matar esse assunto logo, a proposta era modernizar e se adequar ao conceito minimalista. É minimalista, mas não modernizou. As linhas são antigas e ficou faltando um algo mais (coloquei no Twitter a minha ideia do que talves seja esse algo a mais). Se for aprovado, beleza, não é feio. É bonito, mas não é impactante. Não quebra um status quo. Mas essa é apenas a minha opinião. Conversei com duas pessoas renomadas na área de branding aqui do Rio de Janeiro que elogiaram absolutamente tudo. A fundamentação da criação do escudo e dos porquês de cada elemento é perfeita. Como proposta de escudo, e apenas de escudo, está muito boa.
Aqui entrarei em outro mérito: o de conceito de instituição. Com o novo escudo, eu esperava que o Coritiba anunciasse todo um conceito de futuro para o clube: missão, visão, objetivos, pilares, metas. Não foi o que aconteceu. Apesar dos mesmos mantras das últimas duas décadas serem repetidos (“uma nova era”, “um novo Coritiba”), o trabalho para aplicar – de fato – este desejo ainda não existe.
- O Coritiba não sabe o que quer
Citarei aqui com frequência o Athletico, por ser o clube de futebol que melhor criou um conceito de instituição no Brasil. Se perguntarmos a três funcionários do Furacão o que o clube quer, a resposta será a mesma: ser campeão mundial. Mesmo sendo um clube regional, mesmo não tendo uma torcida nacional, essa é a maior ambição do clube rubro-negro (e demostra bem os valores da instituição). Agora, se perguntarmos para três funcionários do Coxa o que o clube quer, que resposta teremos? Ser campeão de alguma coisa? Ficar na Série A? Conquistar 25 vitórias consecutivas? Fazer a maior venda de jogador da história do futebol paranaense? Ninguém sabe. Se ouvirmos alguma resposta além do “não sei” elas provavelmente serão diferentes uma das outras.
Abrindo o espaço para um achismo particular, a missão do Coritiba deveria ser: “Ser o primeiro paranaense a vencer uma Libertadores”. O Athletico teve a chance dele, e se a vez do Coritiba for agora? Por que não? Colocando uma meta clara, todo mundo (torcida, diretoria, patrocinadores, atletas, comissão técnicas e funcionários) trabalharia com foco total para que o clube conquistasse esse objetivo. Aqui está a diferença entre uma empresa que quer crescer no ambiente em que está inserida e ser reconhecida nele e uma que só existe para, no máximo, dar lucro e sobreviver dia após dia.
A mesma obsessão que a torcida do Coritiba tem pelo clube (lotando estádio mesmo na pior fase da história, por exemplo) o próprio Coritiba não tem para si. Com frequência vejo o torcedor coxa-branca falar: “imagina o que não vamos fazer quando ganharmos uma final assim”. O torcedor quer, mas o clube tem medo de verbalizar e matar no peito essa meta. E eu já explico, no meu ver, o que ocasiona esse medo.
- O terceiro pilar do contexto do escudo: no topo do mundo
Na apresentação da proposta do novo escudo há a seguinte citação:
É este o objetivo máximo do clube como instituição, então? Colocar o Coritiba no topo do mundo significa transformá-lo em campeão mundial de clubes? Mas… em quanto tempo? Ou seria fazer com que o clube conquiste novamente o recorde mundial de vitórias?
O atual presidente (até onde se sabe, interino), Glenn Stenger, disse, em relação ao terceiro pilar do escudo, a seguinte frase em entrevista ao ge.globo: “Essa esfera que representará o novo símbolo mostra a participação do Coritiba no globo”. O que é essa participação? Vender jogadores para diferentes equipes estrangeiras? Fazer com que o Coritiba seja conhecido em todos os países?
O mais próximo de um objetivo do Coritiba nesta apresentação está nesta parte, e ainda é uma citação tão obtusa e desprovida de clareza que não pode ser considerada um norte para o trabalho. Se for algo nesse sentido de conquista de troféu é extramemente arrojado, e necessita de muito tempo.
- As mesmas palavras sem paixão
“É a modernização aliada à tradição do Coritiba”. Esta foi mais uma frase do presidente Stenger ao ge.globo. Afinal, o que é tradição? Pra mim a tradição do Coritiba tem muito mais a ver com a obsessão da torcida e do pioneirismo: ser o primeiro clube do Paraná, ser o primeiro campeão brasileiro, ser o primeiro no Paraná a construir um estádio com recursos próprios, ser o primeiro tetracampeão paranaense, ser o primeiro time do Brasil com duas listras horizontais na camisa. Essa ambição de ser o primeiro, aliás, foi o que fez com que o Coritiba atingisse o tamanho que tem hoje. O Coritiba era ambicioso na maioria das décadas do século XX. Quebrava o status quo, fazia excursão para fora do Brasil enquanto todo mundo ficava só nas disputas dos Estaduais. Foi um dos primeiros times do Brasil a aceitar atletas pretos na equipe. Só que no século XXI a situação se inverteu, e o ambicioso passou a ser, como sabemos, o Athletico.
As recorrentes mesmas palavras dos dirigentes do Coritiba mostram que a teoria vem antes da prática, e o clube não consegue se desapegar do usual. Por isso ninguém fala com clareza onde o Coritiba quer chegar: o Coxa como um todo não arrisca, e não arrisca porque tem medo de fracassar. Tendo medo de fracassar, naturalmente não conquista mais nada. É uma sina que precisa ser quebrada. Vamos a mais uma citação de Stenger ao ge.globo: “Precisamos ver o Coritiba, num futuro próximo, com alguma dimensão e posicionamento diferente. E talvez com conquistas até superiores à estrela que já tivemos. Nós temos a intenção, a ideia de fazer com que o Coritiba sempre busque mais. Nós temos que buscar ainda mais do que nós já buscamos num passado não muito distante”. Em nenhum momento o presidente declara abertamente o que quer conquistar. É o medo de arriscar e, caso falhe, de virar chacota. E é sempre bom lembrar que de boas intenções o inferno está cheio.
Vamos lá. Não é só Glenn Stenger que falou assim: Renato Follador, Juarez Silva, Samir Namur, Rogério Bacellar, Vilson Ribeiro de Andrade, pra citar só os últimos. Todos sempre falaram em grandes conquistas e crescimento do clube sem deixar claro exatamente o que conquistar pra que esse crescimento ocorresse. Destes, apenas Juarez e Vilson declararam abertamente objetivos no âmbito do futebol: em 2011 o então presidente Ribeiro de Andrade disse que era um objetivo interno do Coritiba chegar à final da Copa do Brasil. Em 2021 o presidente Moraes e Silva disse ao ge.globo que o Coritiba precisava voltar a ser campeão brasileiro. Ser campeão brasileiro, no cenário atual, deve ser uma meta do Coxa? Eu acredito que não.
São sempre palavras da moda, sem clareza e sem objetividade. Não há paixão na fala, e sem paixão não existe o contágio no torcedor. Sem contágio, não há crença e sem crença não há mais títulos importantes para se aspirar. Crescer é consequência: o que e como fazer faz toda a diferença. A mentalidade vencedora e contagiante mais próxima que tivemos foi, em 2011 e 2012, com Vilson Ribeiro de Andrade, e em 2020 e 2021, com Renato Follador. Os outros sempre me pareceram burocráticos, e burocracia não vence num esporte que é, acima de tudo, emocional.
- Profissionalização: uma teoria sem aplicação
Na parte superior da proposta do novo escudo os seguintes dizeres aparecem:
Qual a nova forma de se comunicar com o torcedor? Está escrito: o clube mostra que tem como prioridade o bom relacionamento com os sócios. Para elucidar este tópico, cito mais uma frase do atual presidente: “Trazer um novo Coritiba para o nosso torcedor, pro nosso associado. Como é que a gente faz isso? Modernizando, aprimorando (…), fazendo a coisa sempre ficar mais profissional e menos personalizada.”
Falemos especificamente do evento que apresentou a proposta do novo escudo: temos um grande problema – gritante, eu diria – entre a teoria e a prática.
Foram convidados para o evento apenas influencers e alguns sócios. Nada contra eles, aliás, pois gosto muito de como pensam e se posicionam a maioria. No evento aconteceu todo o detalhamento e explicação da mudança de escudo, tanto por parte da direção administrativa do Coritiba, quanto por parte da empresa contratada para desenvolver o novo símbolo. Não foi disponibilizado um vídeo completo com essas explicações ao sócio. Isso é ser mais profissional ou é uma situação mais personalizada? Não há problema em convidar um seleto grupo de torcedores para um evento como este, mas há problema quando a mesma informação não chega para todos os outros torcedores. Se o clube quer se modernizar, por que não fazer uma transmissão ao vivo do evento que pudesse ser acessada diretamente da área de sócios do site? Por que não colocar em prática um modelo de comunicação atual e moderno? Isso já foi feito antes e poderia ser feito novamente. Por que não foi feito? Então, onde está a prioridade em relação ao sócio? Ou seriam só para alguns sócios? Sendo para alguns sócios, o clube assume que há torcedores mais importantes que outros, mesmo estando na mesma classe de associados?
Para o restante dos sócios foi disponibilizado apenas um PDF com o projeto. É muito frio. Disponibilizar um documento no site é muito frio, ainda mais precisando-se da maioria dos sócios para aprovar o que foi proposto. PDF este, aliás, que foi vazado pelo menos um dia antes para um torcedor específico. Isso é ser mais profissional ou é um relacionamento personalizado?
Se eu quiser relembrar como aconteceu a criação do conceito completo de marca do Athletico, por exemplo, eu consigo. Em uma hora de apresentação, Petraglia e representante da agência contratada para fazer o branding do Athletico explicam detalhamente todo o processo e toda metologia. A apresentação foi transmitida ao vivo para quem quisesse ver e está no Youtube do clube rubro-negro para quem queira relembrar. Mas os sócios do Coritiba têm acesso apenas ao frio e distante powerpoint. Pergunto pela terceira vez: isso é priorizar relacionamento com o sócio e com a torcida?
Se em uma mudança tão grande quanto a mudança de escudo acontecem esses problemas, como vou confiar de que a atual gestão do Coritiba caminha para a real profissionalização? As informações de dentro do clube chegam (quando chegam!) tortas para os torcedores alviverdes. Se realmente existe uma nova forma de se comunicar com o torcedor, essa forma precisa de readequações e revisões.
Atualização:
Enquanto este texto era escrito uma nova live para todos os torcedores do Coritiba foi feita para todos os torcedores do Coritiba, com explicações de três dos responsáveis da Candy Shop pelo projeto e com o gerente de mercado do Coritiba. Toda a explicação em vídeo do material disponibilizado está aqui. Ressalto que gostaria de ver o presidente do Coritiba falando, mas gostei muito desta live ter sido feita – ainda que posteriormente e de maneira atrasada.
- O escudo de uma gestão
Eu votei na Coritiba Ideal, acreditei no projeto e sigo acreditando que o clube como um todo possa ser profissional. Mas a direção precisa abandonar as mesmas frases de efeito que não levam a lugar algum. Precisa de modelo, de incentivar o diferente, estabelecer processos e criar metas claras.
O novo escudo não é uma ruptura entre o antigo e o novo Coritiba: é uma tentativa de legado de uma gestão. Assim como Vilson Ribeiro de Andrade deixou dois vices da Copa do Brasil no seu primeiro ano de mandato e um novo setor do Couto Pereira no segundo; assim como Rogério Bacellar contratou Kleber Gladiador e inaugurou duas novas salas de imprensa; assim como Samir Namur tentou fazer uma gestão de responsabilidade fiscal (que não deu certo); o novo escudo – da forma como foi apresentado – é apenas um dos possíveis legados de uma gestão. E isso está explicitado no documento. Não faz parte de um todo.
Ainda aguardo pela apresentação do conceito do Coritiba como instituição, com missão, visão, valores e objetivos claros, com proposta de DNA no futebol coerente, com estabelecimento de metas reais de modernização e com todo o clube trabalhando em sintonia, buscando o mesmo norte. Enquanto isso não acontece – e ainda tenho esperanças de que aconteça – será só a mudança pela mudança.
Não uma mudança pelo Coritiba, mas uma mudança para agradar o mercado. É isso que queremos? Apenas agradar o mercado?
Para encerrar, não quero aqui parecer arrogante. Espero que não levem pro pessoal. Esta é uma crítica ao modelo, à forma, à postura e à mesmice. E também uma forma quase que desesperada de ver algo correto acontecer. Quero poder fazer parte de algo grandioso, e que milhões de outras pessoas façam parte deste algo. O caminho percorrido pela atual gestão – ainda que com quês de profissionalização em alguns setores – é muito parecido com o que está sendo percorrido desde a década de 90. O olhar não está expandido e o comodismo ainda é claro.
Sem fazer com que a torcida se apaixone por um projeto vencedor cristalino do Coritiba (como queria e tentava Renato Follador), aviso: dificilmente uma votação como essa será vencida. O Coritiba precisa contagiar todo mundo, além até mesmo dos seus próprios torcedores, e não só uma pequena parcela de pessoas.
Eu sou a favor da mudança de escudo. Sempre fui! Só que essa mudança precisa estar contextualizada em algo maior para a instituição.
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