É começo de 2012 e minha primeira viagem junto com a diretoria eleita. Não lembro muito bem do encontro prévio, mas lembro que era noite e que me acomodei no meu lugar no ônibus que rumaria à Atibaia. O ônibus se movimentou e as luzes se apagaram para que todos pudessem dormir durante a viagem. Depois do alvoroço inicial, todos ficam em silêncio e já começam a dormir. Do meu lado esquerdo, na poltrona do outro lado do corredor, alguém me chama cochichando: “Kotó. Kotó!”. É o Igor Aleksander. O cabelo comprido e a jaquetona de couro fazem ele parecer um motoqueiro de Harley-Davidson. Ele olha pra mim, sorri, e mostra a mochila, que agora está no corredor. De dentro tira um litrão de Brahma e diz, ainda cochichando: “bora?”. Eu me mato de gargalhar em silêncio. Meu pensamento é: “esse cara é louco e vou conviver com ele durante um ano!”, mas a única palavra que sai da minha boca é: “bora!”.
Essa é a primeira das minhas muitas lembranças com o Igor. Eu já tinha viajado em 2011 com ele para uma outra conferência, quando tínhamos acabado de entrar na AIESEC. Naquela ocasião lembro pouquíssimo dele. Depois, já no final do ano, nos aproximamos para trocarmos ideias sobre nossa postulação à diretoria da organização em Curitiba e ele acabou abrindo a porta da casa de praia da família dele para que passássemos a virada 2011-2012 com alguns amigos e amigas.
Lá ele já deu mostras do que estava por vir. Estávamos na sala e, não lembro em que contexto, começou a falar com paixão de Muhammad Ali e dos valores que admirava do pugilista. Não quis nem saber: pra convencer a gente do qual foda era o homem, colocou o filme pra gente assitir. E hoje, quando vejo qualquer coisa sobre Ali automaticamente me lembro de Aleksander. Ainda assim, apesar de toda a prestatividade e gentileza (lembro dele trocando a porta do banheiro do nosso quarto!) a conexão não estava completa.
Mas nos unimos no Executive Board da AIESEC em Curitiba e, aí sim, pude entender e participar dessa conexão profunda que ele trouxe. Aquela convivência com ele que eu achei que seria louca… foi louca mesmo! Mas num sentido muito mais forte e do bem. E essas trocas – que na hora que acontecem a gente não dá muito valor -, agora vêm à tona na minha memória. Agora eu percebo que essas trocas banais da vida são as mais profundas e marcantes. A gente zoava ele por usar muito a opção “marcar como lido” de vários emails profissionais. Burocracia? A vida não valia a pena ser perdida com tantas assim, né? Apenas o necessário.
Mas o que eu mais lembro daqueles meses era a forma mansa de falar e da ridada que contagiava. O Igor sempre arrancava risos, inclusive quando estava frustrado. E não escondia. Ele se candidatou à presidente da organização naquele ano, e perdeu. Na nossa reunião depois da eleição o clima era pesado, mas ele soltou um “Gente, me desculpa, mas eu tô puto” tão genuíno que fez todo mundo gargalhar. Ele estava em todas. Ano desses recebi uma foto de uma das conferências em que fomos. Era no after party. E adivinha quem estava comandando o after? Ele mesmo, o incansável. Pra festa, on. Pra ser camarada, on também. O Igor tinha um abraço pra dar pra que a gente estava com problemas. Se estávamos errados, não passava a mão na cabeça, mas tentava mostrar, à sua maneira simples, calma e cativante, um novo caminho.
Como definiu com maestria o amigo Gabriel Seixas, o homem era um soldado da paz. Eu penso nele hoje e só consigo lembrar da palavra “amor”. Ele tinha uma profundidade muito simples. Era fácil gostar dele (mas nem tão fácil entender suas reflexões profissionais, é verdade. hahaha). Amor define tanto que ele assinava seus emails com “Love,” e foi o único da nossa diretoria a ter um filho. Claro que foi! Esse amor precisava se perpetuar!
Aconteceu que eu me afastei. Aquela experiência como diretor de Comunicação me deixou marcas muito fortes, boas e ruins. Só que durante vários anos eu foquei nas ruins, que me consumiram e mudaram meu jeito de ser. Minha autoestima profissional foi lá para baixo e só foi a partir de 2021, com muita terapia, que comecei a ver as coisas por outra perspectiva. Mas acabei deixando de lado e não mais prestando a atenção em grandes amigos que fiz pelo caminho, e o Igor foi um deles. Não foi uma decisão extremamente consciente, mas foi mais fácil deixar as pessoas de lado para tentar excluir da minha memória todas as situações ruins que vivi e que me afetaram muito.
E claro que, no dia de hoje, bate um arrependimento que eu nunca tinha vivenciado. Porque, na minha cabeça, a qualquer hora eu poderia encontrar o Igor para tomarmos uma cerveja e conversarmos sobre o rumo de nossas vidas, como de fato fizemos – sem a presença do Igor – no ano passado. Mas é o suficiente? Minhas lágrimas dizem que não. Consola saber que outros não se afastaram, que eles estavam lá.
Igor, você um dia postou uma foto sua formado por um monte de gente que fez parte da sua experiência. E quando eu lembro de você eu sempre lembro dessa imagem.
Você agradeceu a todas essas pessoas pela sua experiência, mas toda vez que eu lembrava dela ela tinha um outro significado pra mim. Pra mim essas 450 fotos únicas representam as milhões de pessoas nas quais você deixou um pedacinho de você. Todas elas te agradecem.
Será que você sabia que iria assim, tão cedo? Será que era por isso que você era o melhor daqueles dez? Será que era por isso que você deixava todo mundo entrar no seu coração? (E, dizendo isso, eu já consigo escutar você dizendo alguma piada ruim com “eeepa, quem é que vai entrar aqui, hein?” e todos à sua volta rindo de chorar). Não tem resposta.
Eu me arrependo de não ter te respondido. Nunca tive esse sentimento de “é tarde demais para falar”, mas, de onde você estiver, saiba que eu li o que você escreveu aquele dia no grupo do nosso EB, sobre o mesmo sofá em que já estivemos sentados como um grupo e a mesma música que escutamos. Eu não te respondi, Igão. Mas eu li e senti tudo o que você escreveu. Lembrei de como era a atmosfera quando você estava por perto. E só quem viveu com você sabe dessa atmosfera mágica que você criava. Eu não respondi, mas fiquei matutando aquelas palavras durante algum tempo. Eu deveria ter falado alguma coisa. E, rapaz, não tenho nem uma fotozinha pra postar contigo, já que em 2014 roubaram meu HD que tinha todas as fotos que tiramos naquele 2012. Faltou uma fotinha nesses últimos anos, né?
De onde estiver saiba que sou eu, Igor, que me sinto sortudo em um dia ter encontrado você na minha vida. Foram nossas vidas que certamente melhoraram quando cruzaram com você. E obrigado pelo livro.
Até logo, meu amigo.
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