Autor: Lucas Kotovicz (Page 2 of 4)

O silêncio do Coritiba sobre o jogo corrompido por Alef Manga

Estava no meu único dia de folga na semana, criando forças pra levantar e separar a roupa branca da roupa preta para colocar pra lavar. O meu estresse principal, na minha folga, era com o banheiro do apartamento: tinha agendado há mais de três semanas um serviço para arrumar o piso do box e o responsável não apareceu. Mas foi aí que o áudio de Alef Manga, escancarando o envolvimento na manipulação de jogos, veio à tona no ge.globo.

Pra mim a corrupção não é negociável. Corrupção no jogo que eu amo não deveria sequer ser tema de debate. Se errou, precisa admitir e pagar. E, no âmago, foi isso que aconteceu: o atleta se corrompeu por mais alguns milhares de reais e sabia claramente o que estava fazendo.

Manga não ganha pouco. Provavelmente ganha em um mês o que eu – com trabalho estável e pós-graduado – ganho em cinco anos. Se souber ser responsável financeiramente, terá dinheiro de sobra para aposentadoria e para a família. Ainda que jamais possa servir como motivo, também não estava com vários salários atrasados, de modo que precisasse urgentemente da grana para pagar as contas.

Não. Manga foi ganancioso e aceitou manipular a essência do esporte. Dentro das quatro linhas é – ou deveria ser – 22 seres humanos com suas técnicas, seus conhecimentos táticos, seus condicionamentos físicos e suas tomadas de decisões. Dentro das quatro linhas não importa se um time custa 80 vezes mais que outro, não importa se tem 40 títulos a mais que o outro: são humanos duas pernas, dois pés, um cérebro. Ali milhões de variáveis podem fazer um vencer ao outro, e Manga corrompeu, vestindo a camisa do Coritiba e em benefício próprio, o que deveria ser puro: o jogo.

O som da falta de caráter de Manga, que além de tudo jogou fora a oportunidade que milhões de meninos querem ter, me entristeceu enormemente. Um dia que tinha começado com um show tático da Nova Zelândia na Copa do Mundo feminina, que na madrugada me deixou embasbacado com tamanha sinergia de marcação aguda entre as jogadoras, termina comigo escrevendo esse texto cheio de revolta: como pode um atleta com enorme capacidade técnica, querido pela torcida e com plena consciência de que é o melhor jogador do time, tomar uma decisão dessas?

Silêncio do clube

Eu sou daquelas pessoas que acredita na ressocialização de criminosos após a devida pena cumprida, a depender do caso. Por isso, não concordo com a política exagerada do cancelamento. Manga tem o direito de pagar pelo erro e voltar a jogar com a consciência limpa.

E justamente por isso é uma falha institucional gigantesca o Coritiba não se posicionar acerca do caso. É não se importar com o jogo que é seu carro-chefe. É deixar de lado o respeito pelas pessoas, talvez o maior dos valores olímpicos. O Coritiba tem um papel social importante perante milhões de pessoas e não falar um “a” sobre o caso é um ato de normalização da corrupção.

Se o clube decide colocar em campo um atleta que comprovadamente corrompeu o jogo – uma das situações esportivas mais graves, pois transgride a ética – ele é conivente com tal corrupção. Não poderá nunca mais reclamar de um pênalti mal marcado ou multar um atleta que chega ao treino bêbado pós-balada. A bola de neve aumentará. Manipulou o jogo? Tome aqui mais um jogo pra você disputar como prêmio.

Se o clube não quer perder o ativo no qual investiu alguns milhões, precisa fazer um plano de ação para o atleta e divulgá-lo para a torcida. Se o clube acredita que o atleta nunca mais vai se envolver com manipulação de jogos e não pretende rescindir o contrato, precisa comunicar para a torcida. Vamos à uma possível nota fictícia que poderia ter sido divulgada ao torcedor:

O Coritiba Foot Ball Club está ciente das graves denúncias contra o atleta Alef Manga e entende que tais atos são inadmissíveis, prejudicando o esporte e o jogo. Porém, ainda que tais transgressões sejam passíveis de rompimento de contrato, o clube acredita na educação como forma de punição e prevenção.

Após conversa entre clube e atleta, ficou definido que, a partir desta data, o atleta está afastado de todas as atividades com o elenco principal enquanto aguarda a definição da punição da justiça comum e da justiça desportiva. Uma vez definidas as penas, Alef Manga terá, obrigatoriamente e durante todo o período punitivo, aulas sobre ética desportiva e regras do futebol. A participação será aberta a todos os atletas do Coritiba.

Ainda como medida educativa, Alef Manga terá que cumprir, semanalmente, trabalhos comunitários com crianças das comunidades próximas ao CT da Graciosa e do estádio Couto Pereira.

Por fim, o atleta será multado em XX% do salário durante o período em que não poderá participar de jogos oficiais de futebol.

Nas próximas semanas o clube implementará um hub de ética esportiva para prevenção de novos casos de manipulação de jogos ou quaisquer transgressões éticas relacionadas ao esporte, incluindo palestras sobre como proceder em caso de abordagem de apostadores. Todos os atletas das categorias de base do Coritiba, das escolinhas parceiras do clube e novos atletas contratados terão carga horária obrigatória a cumprir.

O Coritiba Foot Ball Club segue à disposição de todas as autoridades para quaisquer esclarecimentos e suporte em relação ao caso e reafirma o compromisso com o jogo limpo e ético.

Eu não acredito que a rescisão entre as partes seja sempre o caminho. É o caminho mais fácil, mas não é o mais correto do ponto de vista educacional e até mesmo de evolução do ser humano. Todos erram e todos tem o direito de pagar justamente pelos erros.

No caso, existiu, sim, uma falha de Manga (e de Thony, e de Porfírio) como ser humano. O caráter (que, aliás, o Coritiba sabe construir nas categorias de base) precisa estar presente em todos os atletas que chegam no clube. Se Manga decidiu por se corromper enquanto atleta do Coritiba, o clube também errou em algum processo: não conversou suficientemente com o jogador, não explicou os deveres, os direitos e os compromissos que o atleta tem com a instituição na chegada ao clube, não deu o suporte necessário para o atleta estar preocupado apenas em fazer o que mais gosta: jogar futebol. Se aconteceu, o clube pecou.

Partindo para o clichê: o silêncio ensurdecedor do clube é a prova de que existem processos errados internamente. Processos estes que, involuntariamente, acabaram acarretando na transgressão dos atletas.

Formação de caráter

Como disse Johan Cruyff, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, em sua biografia:

Hoje em dia pode ser difícil imaginar que um chamado “jogador estelar” tivesse que levar seu uniforme para casa para ser lavado, mas uma experiência desse tipo molda o caráter. Molda em termos de cuidado com as coisas (…) e molda como pessoa mesmo.

Quando era técnico no Ajax e no Barcelona, e achava que as coisas não estavam funcionando, colocava dois ou três jogadores para limpar os vestiários, como forma de fortalecer seu senso de responsabilidade

Livro “JOHAN CRUYFF 14”, PÁGINA 41, PUBLICADO PELA EDITORA GRANDE ÁREA NO BRASIL

Faltam aos jogadores atuais – tendo como exemplo principal o eterno menino Neymar – uma forma de formar caráter, valores incorruptíveis e a ciência da sociedade que representa? Faltou um pouco mais disso para Alef Manga e outros atletas que decidiram se corromper para apostadores? Feyenoord e Ajax, ambos holandeses, também levam a sério a formação do ser humano e não só a do atleta. No Ajax o clube faz os atletas da base atuarem como gandulas: “acreditam que ouvir de perto o barulho da torcida ajuda esses jovens a compreender o significado do clube” (A Escola Europeia, editora Grande Área, página 323). No Feyenoord o foco é no coletivo em detrimento ao individual, tanto que o lema do clube é “de mãos dadas”: Queremos que ele trabalhe duro para não deixar seus companheiros na mão. Isso é o fundamental pra gente. É por isso que vejo o Feyenoord como um clube familiar. Fazemos as coisas juntos aqui” (A Escola Europeia, editora Grande Área, página 29).

Me pergunto se esses atos teriam acontecido se o clube tivesse mantido Tcheco, que tem um grau enorme de entendimento sobre integridade, como parte da comissão técnica permanente. Se tivesse mantido Mazzuco, diretor de futebol cria do clube, tenho quase certeza que não. Em entrevista ao podcast Trilha do Futebol, ele disse: “O papel do clube na base é formar o jogador, mas também o não jogador”.

O clube precisa retomar o caminho da formação de seres humanos. Dando esse passo, estará um pouco mais perto de voltar ao caminho das vitórias.

Outros exemplos

Diante do post que fiz no Twitter sobre o caso, fui confrontado direta e indiretamente sobre outros casos recentes no futebol paranaense. Embora eu dê meus pitacos sobre o Athletico quando acho necessário, a minha preocupação é com o Coritiba. O meu time é o Coritiba e é sobre ele que eu falo. É o meu time que eu não quero que se venda por um ou outro gol. É o nome da minha instituição que tá em jogo.

Discordaram sobre eu comparar o áudio de Manga com a invasão do Couto no final de 2009. A invasão foi escancarada, movida à passionalidade e a todo um contexto provocado por futebol. E na ocasião o clube não se emitiu. Assumiu a culpa, vendeu o processo de reconstrução para o torcedor e um novo modo de viver o clube foi fundado. O caso Manga (sem esquecer de Porfírio e T. Anderson) foi feito sem qualquer componente passional e de modo extremamente obscuro. A omissão do Coritiba só corrobora que os valores esportivos estão fraquejando no Alto da Glória.

Convenientemente, disseram que quando Zago foi contratado eu não fui tão incisivo. Sempre fui contra a vinda de Antonio Zago como técnico. Nunca concordei com a contratação e sempre argumentei que a personalidade do técnico com a do clube não se encaixavam. Zago sabe que tem uma mancha em seu passado: foi racista, diz que se arrependeu e de fato pagou por isso na justiça comum e na desportiva, como consta nessa matéria do ge. Está livre para trabalhar e, se a diretoria quis contratá-lo, o que se pode fazer é argumentar contra o lado técnico do trabalho, que foi o que eu fiz. Ao contrário de Robinho, Cuca e Marcinho (nenhum dos três pagou pelos crimes que cometeram), Zago pagou pelo gesto racista em ambas as esferas judiciais, e sabe que terá que lidar com o crime cometido pelo resto da vida.

Aliás, ainda sobre racismo, num momento em que pouquíssimos clubes faziam campanhas contra a discriminação racial, quando eu trabalhava no Coritiba fiz parte da equipe que produziu um vídeo com jogadores que viralizou, no qual os atletas cantavam uma música do fantástico Gabriel, o Pensador. Mas isso não é conveniente lembrar, né?

E sobre o estádio do Athletico, reformado com parte de recursos públicos, o mundo sabe que sempre fui contra. Ainda que eu concorde que recursos públicos podem eventualmente serem investidos para que a sociedade desfrute de lazer, a reforma ou construção de estádios para a Copa de 2014 deveria ter sido feita com recursos privados. O Athletico se aproveitou do dinheiro público para construir o símbolo de seu projeto. A contrapartida para a população curitibana é quase inexistente: algumas das pouquíssimas obras do PAC da Copa em Curitiba foram entregues quase 10 anos após o Mundial. Os três jogos da Copa em Curitiba aconteceram em um espaço de oito dias entre o primeiro e o último: muito pouco para que a quantia investida na Arena validasse o turismo durante o período.

O clube que amo

Naturalmente, por argumentar contra a permanência do melhor jogador do elenco do Coritiba, e que participa diretamente de vitórias que podem salvar o clube do rebaixamento, porque ele manipulou o jogo, fui chamado de atleticano. Não é a primeira vez, claro.

Aprendi, com a experiência dos anos, a separar tranquilamente meu lado profissional do meu lado passional. Esconder o time para qual eu torço nunca foi uma opção pra mim: eu cresci indo no estádio, amando, sofrendo e chorando pelo Coritiba. Pra mim, é impossível não falar sobre ele, não expor o meu amor por ele e não viver intensamente esse amor. Mas, quando fui editor do Globo Esporte, sabia editar como ninguém uma matéria do Athletico campeão da Sul-Americana. Escrevi e editei um programa especial praticamente inteiro sobre o título da Copa do Brasil conquistado pelo Athletico que fez muito atleticano chorar (tenho provas porque eles escreveram no Twitter). Foi graças ao Athletico que meu nome apareceu no Jornal Nacional.

Ainda assim, apesar de ter dado provas e mais provas de que sei deixar a paixão de lado pra fazer meu trabalho, eu tenho certeza que meu amor pelo Coritiba fez com que algumas pessoas com quem trabalhei nunca tenham apostado em mim para ser um repórter de vídeo, por exemplo. Talvez eu nunca consiga trabalhar com futebol em outro clube (apesar de estudar e ler muito sobre o jogo) por causa do meu amor pelo Coxa. Lógico que dói abdicar de uma vida profissional mais glamurosa e gratificante por um time que me retorna muito pouco, mas essa sempre foi minha escolha. Conscientemente, ainda que não explicitamente, abdiquei de um sonho para viver o Coritiba do jeito que eu acho certo.

E o jeito que eu acho certo é também falando o que eu acho que está errado. Manter Alef Manga treinando com o elenco está errado. Não se posicionar sobre o jogo que foi corrompido por alguém usando as cores, o uniforme e o escudo do Coritiba está muito errado.

O CT de Campina Grande do Sul e a oportunidade que o Coritiba tem para desenvolver seres humanos melhores

O Coritiba tem um projeto de construção de um Centro de Treinamentos enorme. Dizem que pode vir a ser o maior da América do Sul. Mas já adianto aqui que tijolo não faz formação: quem faz formação são ideias, objetivos, processos e pessoas.

O projeto é lindo, com mini estádio e vários campos de futebol e hotel para que crianças e adolescentes possam morar. Mas, opa. O CT ficará em Campina Grande do Sul, o dobro da distância da localização do atual CT, o Bayard Osna, em Colombo. Longe da capital, com transporte público demorado, é fato que os (e as) atletas do Coritiba praticamente viverão dentro do Centro de Treinamentos.

Planta do projeto do novo Centro de Treinamentos do Coritiba, que será construído em Campina Grande do Sul

No Twitter, fiz 15 perguntas que a Treecorp deveria responder sobre este novo Coritiba que está sendo vendido aos torcedores, e duas delas faziam referências ao CT. Uma especificamente surpreendeu e foi alvo até mesmo de piadas por parte de alguns fakes e torcedores, natural quando o questionamento é disruptivo: neste novo espaço de convivência dos atletas do Coxa existirá áreas para lazer e prática de outros esportes? Explico a minha pergunta contextualizando.

O divertimento

A primeira questão, e talvez a mais básica, é que, se o Coritiba vai abrigar centenas de crianças tão longe, então ele precisa transformar o ambiente em algo divertido para eles (Alex, ídolo do clube, bate sempre nessa tecla de divertimento). O futebol é o core, mas a criança precisa de outras atividades para se divertir e, através do divertimento, se desenvolver. Nunca podemos nos esquecer que, mesmo num ambiente extremamente competitivo, a criança precisa ser criança: brincar, se divertir.

É bom lembrar que nem todas (aliás, a maioria) as crianças virarão jogadores e jogadoras de futebol. Muitas delas se descobrirão em outras profissões e também em outros esportes. O futebol talvez não vire prioridade de muitas delas, e por isso, como fator de desenvolvimento humano, é essencial que o ambiente em que elas vão viver proporcione diferentes formas de práticas de atividades físicas e lúdicas, ainda que competitivas.

Aliás, são nesses ambientes que também poderão existir interações agregadoras entre atletas das equipes principais e atletas das categorias de base. Uma conversa ou um ensinamento marcante às vezes são feitos nos lugares mais inusitados. Por que não numa luta de judô? Por que não numa quadra de tênis?

Além de ser fator de divertimento e desenvolvimento para crianças, estes lugares podem ter o mesmo efeito nos adultos. Não á toa pilotos de Fórmula 1 praticam outros esportes para criarem laços de amizades e, também e consequentemente, para desenvolverem outras aptidões motoras que agreguem na Fórmula 1. Falaremos sobre isso mais adiante.

O desenvolvimento humano

Se os processos focarem exclusivamente na criação de um atleta de futebol que jogue bem, então a formação será incompleta. É preciso formar atletas dentro da cultura do Coritiba, e a construção do novo CT é a oportunidade perfeita para que o clube passe a pensar formas diferentes de formação, não só do profissional, mas também de caráter e cultural.

Vou citar muito aqui o processo de formação do Bayern de Munique (no qual, sinceramente, o Coritiba deveria se inspirar e lá no final explicarei o motivo), que tem como objetivo formar um atleta para seu time profissional por ano. Uma das estruturas que o Bayern tem dentro de seu novo CT é uma escola. Além de ensinar seus atletas sobre a história e cultura de construção do clube (além de todos os aspectos que envolvem o futebol, claro) o Coritiba deveria também abrir as portas para que crianças de Campina Grande do Sul frequentem e aprendam no CT. O clube precisa retribuir para a comunidade, e não só tirar para benefício próprio. O clube é da sociedade.

Centro poliesportivo, com quadras de basquete e handebol, dentro do CT do Bayern. Foto: AS+P

Pegando como exemplo outro clube no qual o Coritiba deveria se inspirar, o Athletic Bilbao, da Espanha: se um jogador não se torna profissional, o clube paga uma bolsa de estudos nos Estados Unidos¹. Lá o desenvolvimento cultural é muito forte. Os atletas das categorias de base tem “senso de gravidade e orgulho”, tradição herdada dos pais e avós². Eles entram em campo sabendo o que defendem. A equipe é conhecida por só colocar em campo jogadores com raízes bascas e, mesmo tendo que achar atletas num ambiente de pouco mais de 3 milhões de pessoas, a força mental criada é tão forte que o Athletic Bilbao é uma das três equipes que nunca foram rebaixadas pra segunda divisão espanhola. Ao lado dele só os gigantes Barcelona e Real Madrid.

Conhecer o clube e conhecer o jogo precisa ser foco. O atleta coxa-branca precisa entender desde cedo o peso que a camisa do clube tem e pelo que muita gente passou para que ele pudesse representar a instituição. Isso vai muito além do salário: o atleta precisa ter orgulho de jogar pelo clube, ser engajado e fazer o que for necessário para ajudá-lo a vencer. Isso é uma construção que começa desde cedo, e o ambiente onde a maioria dessa formação é construída é no Centro de Treinamentos.

O CT precisa ser o lugar primordial de desenvolvimento de apego por parte do atleta e, hoje, não é. Não à toa hoje há uma evasão muito grande de atletas no Coritiba e pouquíssima identificação. Os últimos ídolos que o clube tentou criar foram Rodrigão e Alef Manga (um saiu e outro pode sair pelos fundos). Igor Paixão, Igor Jesus e Raphael Veiga ficaram pouquíssimo no clube e foram vendidos. Léo Gamalho não teve o contrato renovado.  Dos atletas revelados na década de 90, 2000 e 2010 apenas Alex, Henrique, Willian Farias e o meia atacante Rafinha voltaram ao clube. Todos passam longe de serem unanimidade pelos diferentes modos como se envolveram com o clube. Estão sendo ou já foram muito criticados.

O desenvolvimento motor

Para muitos profissionais a prática multiesportiva iniciada desde as categorias mais baixas agrega no desenvolvimento motor e só melhora a prática no futebol. Nico Kasmmann, que em 2017 era responsável pela resistência e condicionamento das categorias de base do Bayern, é favorável a essa ideia: “para súbitas mudanças de direção, é olhar como os jogadores de rugbi fazem”³, cita como exemplo.

Dante, ex-jogador do Bayern, joga vôlei de praia com atletas dentro do CT do clube na Alemanha. Foto: FC Bayern

Exemplos de atletas que se beneficiaram de outros esportes e aplicaram conhecimentos adquiridos no futebol são vários. O tae kwon do ajudou Ibrahimovic com sua flexibilidade de movimentos. Rogério Ceni jogou tênis e vôlei quando estava no ensino fundamental.

Diferentes esportes desenvolvem diferentes coordenações motoras nas crianças. E o ganho que elas trazem pode ser aplicado de diferentes maneiras dentro do futebol.

Prevenção de lesões

O Coritiba tem dois históricos interessantes: um bom e outro péssimo. O bom é que costuma revelar e vender atletas das linhas defensivas: Adriano, Rafinha, Miranda, Lucas Mendes, Henrique, Juninho, Yan Couto, só pra citar os principais como exemplo. É tradicional no clube que a defesa seja muito bem trabalhada, e essa especificidade cultural é quase inconsciente. O clube sofre pancadas o tempo todo, vindas de todos os lugares. O torcedor já se acostumou a sofrê-las e isso vai criando casca. O mesmo acontece com os atletas. Não é à toa que a defesa é uma das bases mais sólidas do clube (embora esteja deixando à desejar nos últimos anos).

E o péssimo histórico é o de lesões. Ainda quero fazer esse levantamento, pois não tenho os números em comparação com outros clubes do Brasil, mas tenho a impressão de que, pelo baixo número de jogos que o Coritiba faz, as lesões acontecem em demasia. Há possíveis inúmeros fatores dessas causas, mas, no novo Centro de Treinamentos, a prática multiesportiva nos atletas de base pode ajudar a construir um futuro mais sólido nesse aspecto.

O movimento repetitivo do futebol faz com que o atleta use, desde os 9 ou 10 anos, os mesmo músculos e as mesmas partes do corpo, estressando-as. A visão do Bayern sobre isso é simples: ao praticar outros esportes, a criança desenvolve outros músculos, faz menos esforço e, consequentemente, tem menos lesões. Andreas Kornayer, alemão hoje no Liverpool, tem formação em judô e valoriza “os movimentos dinâmicos que outros esportes usam para auxiliar na prevenção de lesões”⁴.

A construção de uma abordagem multiesportiva nas categorias de base traria um duplo benefício: agregaria na formação dos defensores (que ficariam mais fortes e com maior capacidade motora) e preveniria as lesões no futuro.

CT aberto

O rival Athletico fechou o CT. É quase impossível saber o que acontece lá dentro. Essa é a forma do clube rubro-negro trabalhar. Com origens alemãs, o Coritiba deveria fazer exatamente o contrário: se inspirar um pouco mais no Bayern e abrir o Centro de Treinamentos para seus torcedores. Lá, a torcida acessa gratuitamente e pode assistir aos treinos apreciando uma cervejinha, coisa que ensandeceu Pep Guardiola e fez ele colocar uma cortina preta para que determinados treinos não fossem vistos. Mas é a cultura do clube. E a cultura do Coritiba é aberta, mesmo a atual gestão tentando ir contra essa corrente natural.

Torcida acompanha sessão de treinamentos no CT do Bayern

Claro, o ambiente precisa ser controlado e as regras do local precisam serem seguidas. Ninguém pode atrapalhar ou gritar. É um ambiente de trabalho. É difícil pensar numa cultura assim no Brasil, mas se tem um lugar que essa cultura pode ser iniciada, é no Coritiba: nos últimos anos o clube promoveu treinos abertos no Couto Pereira para determinados jogos-chave.

O CT será da SAF, mas levará o nome do Coritiba, e se o Coritiba usará dele, então a torcida precisa estar presente. A comunidade coxa-branca precisa participar de todos os momentos. O clube precisa criar um senso de pertencimento. Por que não criar um translado Couto Pereira /CT em um ou dois dias da semana para seus sócios? O Coxa precisa pensar fora do que é feito atualmente. Precisa mudar.

Cultura anti-machista

Se você leu atentamente, viu que indaguei sobre uma cultura anti-machista no CT e no clube como um todo, isso porque a cultura machista ainda está presente. É a primeira vez que estou escrevendo sobre isso, e por isso decidi preservar os nomes dos/das envolvidos/envolvidas. Quando trabalhei lá, em 2014 e 2015, presenciei e soube de inúmeros episódios machistas, tanto de funcionários/líderes/atletas para com funcionárias, e também de atletas para com funcionárias e mulheres da imprensa. Não foi uma ou duas vezes que ouvi atletas (alguns casados) pedirem para apresentarem mulheres que chegavam à sala de imprensa a eles. Uma vez escutei: “o foda é que se eu for dar entrevista pra ela, vou querer comer”.

Isso não acabou. Recentemente existiu mais um caso envolvendo um profissional do futebol, que solicitou que funcionárias parassem de frequentar o CT porque elas estavam atrapalhando na concentração dos atletas durante os treinos. O mesmo já tinha acontecido com outros profissionais do futebol e outras funcionárias antes de eu começar a trabalhar no clube.

Então, como atletas dos times masculino e feminino (incluindo categoria profissional e de base) vão poder conviver em harmonia num ambiente assim? Quem trabalhar no CT (e o número de funcionários provavelmente triplicará ou quadruplicará, dado o tamanho do lugar e os novos processos e categorias que serão instaurados) deverá saber conviver em sociedade e sob regras rígidas. O CT será uma mini cidade e o respeito deverá prevalecer e ser obrigatório, o que é o mínimo. Crianças e adultos conviverão no mesmo lugar e atletas, dirigentes e funcionários deverão ser exemplos 24 horas por dia. A responsabilidade do Coritiba para com as pessoas aumentará muito e, por isso, é essencial que a cultura anti-machista passe a vigorar no Coritiba.

Diferente e único

O Coritiba precisa ser diferente e único e a Treecorp precisa se inspirar em clubes europeus com características parecidas com as do Coxa. Pegar elementos ali e aqui de projetos bem sucedidos para implementar no novo projeto do Coritiba e, assim, transformar o clube em único no Brasil. O Coritiba pode ser diferente e pode inspirar. O clube não vai ser nunca o maior clube do Brasil. O clube não vai ter a maior torcida ou uma projeção nacional. O Coxa é completamente diferente de Corinthians, Flamengo, Fortaleza ou Athletico. O que é melhor? Jogar com posse de bola ou jogar baseado em contra-ataque? Jogar com 3 ou 4 zagueiros? Para um clube um jeito será melhor que o outro. Uma jeito de gerir pode funcionar em uma empresa e não funcionar em outra. A empresa (aqui, o clube) é quem precisará escolher o que é bom para ela e o que a fará torná-la única e bem vista no mercado, perante imprensa e até mesmo perante seus torcedores. O clube hoje está com medo. Precisa ousar, sonhar e buscar realizar.

Indagar sobre colocar outros esportes dentro da dinâmica do CT não é deixar de lado o futebol. Pelo contrário! É priorizar ainda mais o esporte e o desenvolvimentos dos atletas alviverdes.

Assim como Athletic Bilbao ou o Lyon, o Coxa tem uma base de torcedores com alto poder de consumo em uma única localidade regional, e precisa priorizar e fidelizar essa base. Na partida são 11 contra 11 e são só 40 mil pessoas de um universo de 1 milhão que precisam ir todo o jogo dispostos a serem, pra usar o clichê, o 12º jogador em campo. Dá pra ser campeão, dá pra revelar, dá pra criar uma cultura vencedora e tradicional e dá, principalmente, para o clube ser o fator principal na construção de seres humanos melhores. Tudo isso em muito menos tempo do que os 25 anos que o Athletico levou. O mundo está globalizado e as oportunidades estão diante da nossa cara para serem agarradas.

Tudo isso passará pelo novo CT e em como ele será usado.

¹,²,³ e ⁴: informações retiradas do livro “A Escola Europeia”, de Daniel Fieldsend, publicado no Brasil pela editora Grande Área.

Um até logo pra um dos bons.

É começo de 2012 e minha primeira viagem junto com a diretoria eleita. Não lembro muito bem do encontro prévio, mas lembro que era noite e que me acomodei no meu lugar no ônibus que rumaria à Atibaia. O ônibus se movimentou e as luzes se apagaram para que todos pudessem dormir durante a viagem. Depois do alvoroço inicial, todos ficam em silêncio e já começam a dormir. Do meu lado esquerdo, na poltrona do outro lado do corredor, alguém me chama cochichando: “Kotó. Kotó!”. É o Igor Aleksander. O cabelo comprido e a jaquetona de couro fazem ele parecer um motoqueiro de Harley-Davidson. Ele olha pra mim, sorri, e mostra a mochila, que agora está no corredor. De dentro tira um litrão de Brahma e diz, ainda cochichando: “bora?”. Eu me mato de gargalhar em silêncio. Meu pensamento é: “esse cara é louco e vou conviver com ele durante um ano!”, mas a única palavra que sai da minha boca é: “bora!”.

Essa é a primeira das minhas muitas lembranças com o Igor. Eu já tinha viajado em 2011 com ele para uma outra conferência, quando tínhamos acabado de entrar na AIESEC. Naquela ocasião lembro pouquíssimo dele. Depois, já no final do ano, nos aproximamos para trocarmos ideias sobre nossa postulação à diretoria da organização em Curitiba e ele acabou abrindo a porta da casa de praia da família dele para que passássemos a virada 2011-2012 com alguns amigos e amigas.

Lá ele já deu mostras do que estava por vir. Estávamos na sala e, não lembro em que contexto, começou a falar com paixão de Muhammad Ali e dos valores que admirava do pugilista. Não quis nem saber: pra convencer a gente do qual foda era o homem, colocou o filme pra gente assitir. E hoje, quando vejo qualquer coisa sobre Ali automaticamente me lembro de Aleksander. Ainda assim, apesar de toda a prestatividade e gentileza (lembro dele trocando a porta do banheiro do nosso quarto!) a conexão não estava completa.

Mas nos unimos no Executive Board da AIESEC em Curitiba e, aí sim, pude entender e participar dessa conexão profunda que ele trouxe. Aquela convivência com ele que eu achei que seria louca… foi louca mesmo! Mas num sentido muito mais forte e do bem. E essas trocas – que na hora que acontecem a gente não dá muito valor -, agora vêm à tona na minha memória. Agora eu percebo que essas trocas banais da vida são as mais profundas e marcantes. A gente zoava ele por usar muito a opção “marcar como lido” de vários emails profissionais. Burocracia? A vida não valia a pena ser perdida com tantas assim, né? Apenas o necessário.

Mas o que eu mais lembro daqueles meses era a forma mansa de falar e da ridada que contagiava. O Igor sempre arrancava risos, inclusive quando estava frustrado. E não escondia. Ele se candidatou à presidente da organização naquele ano, e perdeu. Na nossa reunião depois da eleição o clima era pesado, mas ele soltou um “Gente, me desculpa, mas eu tô puto” tão genuíno que fez todo mundo gargalhar. Ele estava em todas. Ano desses recebi uma foto de uma das conferências em que fomos. Era no after party. E adivinha quem estava comandando o after? Ele mesmo, o incansável. Pra festa, on. Pra ser camarada, on também. O Igor tinha um abraço pra dar pra que a gente estava com problemas. Se estávamos errados, não passava a mão na cabeça, mas tentava mostrar, à sua maneira simples, calma e cativante, um novo caminho.

Como definiu com maestria o amigo Gabriel Seixas, o homem era um soldado da paz. Eu penso nele hoje e só consigo lembrar da palavra “amor”. Ele tinha uma profundidade muito simples. Era fácil gostar dele (mas nem tão fácil entender suas reflexões profissionais, é verdade. hahaha). Amor define tanto que ele assinava seus emails com “Love,” e foi o único da nossa diretoria a ter um filho. Claro que foi! Esse amor precisava se perpetuar!

Aconteceu que eu me afastei. Aquela experiência como diretor de Comunicação me deixou marcas muito fortes, boas e ruins. Só que durante vários anos eu foquei nas ruins, que me consumiram e mudaram meu jeito de ser. Minha autoestima profissional foi lá para baixo e só foi a partir de 2021, com muita terapia, que comecei a ver as coisas por outra perspectiva. Mas acabei deixando de lado e não mais prestando a atenção em grandes amigos que fiz pelo caminho, e o Igor foi um deles. Não foi uma decisão extremamente consciente, mas foi mais fácil deixar as pessoas de lado para tentar excluir da minha memória todas as situações ruins que vivi e que me afetaram muito.

E claro que, no dia de hoje, bate um arrependimento que eu nunca tinha vivenciado. Porque, na minha cabeça, a qualquer hora eu poderia encontrar o Igor para tomarmos uma cerveja e conversarmos sobre o rumo de nossas vidas, como de fato fizemos – sem a presença do Igor – no ano passado. Mas é o suficiente? Minhas lágrimas dizem que não. Consola saber que outros não se afastaram, que eles estavam lá.

Igor, você um dia postou uma foto sua formado por um monte de gente que fez parte da sua experiência. E quando eu lembro de você eu sempre lembro dessa imagem.

“Mosaico feito com 450 fotos únicas e um total de 572 fotos, assim que acharem alguém conhecido sinta-se a vontade para marcar. Muito obrigado por todos os momentos que vivi com vocês em toda essa minha @XP.” – Igor Aleksander

Você agradeceu a todas essas pessoas pela sua experiência, mas toda vez que eu lembrava dela ela tinha um outro significado pra mim. Pra mim essas 450 fotos únicas representam as milhões de pessoas nas quais você deixou um pedacinho de você. Todas elas te agradecem.

Será que você sabia que iria assim, tão cedo? Será que era por isso que você era o melhor daqueles dez? Será que era por isso que você deixava todo mundo entrar no seu coração? (E, dizendo isso, eu já consigo escutar você dizendo alguma piada ruim com “eeepa, quem é que vai entrar aqui, hein?” e todos à sua volta rindo de chorar). Não tem resposta.

Eu me arrependo de não ter te respondido. Nunca tive esse sentimento de “é tarde demais para falar”, mas, de onde você estiver, saiba que eu li o que você escreveu aquele dia no grupo do nosso EB, sobre o mesmo sofá em que já estivemos sentados como um grupo e a mesma música que escutamos. Eu não te respondi, Igão. Mas eu li e senti tudo o que você escreveu. Lembrei de como era a atmosfera quando você estava por perto. E só quem viveu com você sabe dessa atmosfera mágica que você criava. Eu não respondi, mas fiquei matutando aquelas palavras durante algum tempo. Eu deveria ter falado alguma coisa. E, rapaz, não tenho nem uma fotozinha pra postar contigo, já que em 2014 roubaram meu HD que tinha todas as fotos que tiramos naquele 2012. Faltou uma fotinha nesses últimos anos, né?

De onde estiver saiba que sou eu, Igor, que me sinto sortudo em um dia ter encontrado você na minha vida. Foram nossas vidas que certamente melhoraram quando cruzaram com você. E obrigado pelo livro.

Até logo, meu amigo.

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