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O CT de Campina Grande do Sul e a oportunidade que o Coritiba tem para desenvolver seres humanos melhores

O Coritiba tem um projeto de construção de um Centro de Treinamentos enorme. Dizem que pode vir a ser o maior da América do Sul. Mas já adianto aqui que tijolo não faz formação: quem faz formação são ideias, objetivos, processos e pessoas.

O projeto é lindo, com mini estádio e vários campos de futebol e hotel para que crianças e adolescentes possam morar. Mas, opa. O CT ficará em Campina Grande do Sul, o dobro da distância da localização do atual CT, o Bayard Osna, em Colombo. Longe da capital, com transporte público demorado, é fato que os (e as) atletas do Coritiba praticamente viverão dentro do Centro de Treinamentos.

Planta do projeto do novo Centro de Treinamentos do Coritiba, que será construído em Campina Grande do Sul

No Twitter, fiz 15 perguntas que a Treecorp deveria responder sobre este novo Coritiba que está sendo vendido aos torcedores, e duas delas faziam referências ao CT. Uma especificamente surpreendeu e foi alvo até mesmo de piadas por parte de alguns fakes e torcedores, natural quando o questionamento é disruptivo: neste novo espaço de convivência dos atletas do Coxa existirá áreas para lazer e prática de outros esportes? Explico a minha pergunta contextualizando.

O divertimento

A primeira questão, e talvez a mais básica, é que, se o Coritiba vai abrigar centenas de crianças tão longe, então ele precisa transformar o ambiente em algo divertido para eles (Alex, ídolo do clube, bate sempre nessa tecla de divertimento). O futebol é o core, mas a criança precisa de outras atividades para se divertir e, através do divertimento, se desenvolver. Nunca podemos nos esquecer que, mesmo num ambiente extremamente competitivo, a criança precisa ser criança: brincar, se divertir.

É bom lembrar que nem todas (aliás, a maioria) as crianças virarão jogadores e jogadoras de futebol. Muitas delas se descobrirão em outras profissões e também em outros esportes. O futebol talvez não vire prioridade de muitas delas, e por isso, como fator de desenvolvimento humano, é essencial que o ambiente em que elas vão viver proporcione diferentes formas de práticas de atividades físicas e lúdicas, ainda que competitivas.

Aliás, são nesses ambientes que também poderão existir interações agregadoras entre atletas das equipes principais e atletas das categorias de base. Uma conversa ou um ensinamento marcante às vezes são feitos nos lugares mais inusitados. Por que não numa luta de judô? Por que não numa quadra de tênis?

Além de ser fator de divertimento e desenvolvimento para crianças, estes lugares podem ter o mesmo efeito nos adultos. Não á toa pilotos de Fórmula 1 praticam outros esportes para criarem laços de amizades e, também e consequentemente, para desenvolverem outras aptidões motoras que agreguem na Fórmula 1. Falaremos sobre isso mais adiante.

O desenvolvimento humano

Se os processos focarem exclusivamente na criação de um atleta de futebol que jogue bem, então a formação será incompleta. É preciso formar atletas dentro da cultura do Coritiba, e a construção do novo CT é a oportunidade perfeita para que o clube passe a pensar formas diferentes de formação, não só do profissional, mas também de caráter e cultural.

Vou citar muito aqui o processo de formação do Bayern de Munique (no qual, sinceramente, o Coritiba deveria se inspirar e lá no final explicarei o motivo), que tem como objetivo formar um atleta para seu time profissional por ano. Uma das estruturas que o Bayern tem dentro de seu novo CT é uma escola. Além de ensinar seus atletas sobre a história e cultura de construção do clube (além de todos os aspectos que envolvem o futebol, claro) o Coritiba deveria também abrir as portas para que crianças de Campina Grande do Sul frequentem e aprendam no CT. O clube precisa retribuir para a comunidade, e não só tirar para benefício próprio. O clube é da sociedade.

Centro poliesportivo, com quadras de basquete e handebol, dentro do CT do Bayern. Foto: AS+P

Pegando como exemplo outro clube no qual o Coritiba deveria se inspirar, o Athletic Bilbao, da Espanha: se um jogador não se torna profissional, o clube paga uma bolsa de estudos nos Estados Unidos¹. Lá o desenvolvimento cultural é muito forte. Os atletas das categorias de base tem “senso de gravidade e orgulho”, tradição herdada dos pais e avós². Eles entram em campo sabendo o que defendem. A equipe é conhecida por só colocar em campo jogadores com raízes bascas e, mesmo tendo que achar atletas num ambiente de pouco mais de 3 milhões de pessoas, a força mental criada é tão forte que o Athletic Bilbao é uma das três equipes que nunca foram rebaixadas pra segunda divisão espanhola. Ao lado dele só os gigantes Barcelona e Real Madrid.

Conhecer o clube e conhecer o jogo precisa ser foco. O atleta coxa-branca precisa entender desde cedo o peso que a camisa do clube tem e pelo que muita gente passou para que ele pudesse representar a instituição. Isso vai muito além do salário: o atleta precisa ter orgulho de jogar pelo clube, ser engajado e fazer o que for necessário para ajudá-lo a vencer. Isso é uma construção que começa desde cedo, e o ambiente onde a maioria dessa formação é construída é no Centro de Treinamentos.

O CT precisa ser o lugar primordial de desenvolvimento de apego por parte do atleta e, hoje, não é. Não à toa hoje há uma evasão muito grande de atletas no Coritiba e pouquíssima identificação. Os últimos ídolos que o clube tentou criar foram Rodrigão e Alef Manga (um saiu e outro pode sair pelos fundos). Igor Paixão, Igor Jesus e Raphael Veiga ficaram pouquíssimo no clube e foram vendidos. Léo Gamalho não teve o contrato renovado.  Dos atletas revelados na década de 90, 2000 e 2010 apenas Alex, Henrique, Willian Farias e o meia atacante Rafinha voltaram ao clube. Todos passam longe de serem unanimidade pelos diferentes modos como se envolveram com o clube. Estão sendo ou já foram muito criticados.

O desenvolvimento motor

Para muitos profissionais a prática multiesportiva iniciada desde as categorias mais baixas agrega no desenvolvimento motor e só melhora a prática no futebol. Nico Kasmmann, que em 2017 era responsável pela resistência e condicionamento das categorias de base do Bayern, é favorável a essa ideia: “para súbitas mudanças de direção, é olhar como os jogadores de rugbi fazem”³, cita como exemplo.

Dante, ex-jogador do Bayern, joga vôlei de praia com atletas dentro do CT do clube na Alemanha. Foto: FC Bayern

Exemplos de atletas que se beneficiaram de outros esportes e aplicaram conhecimentos adquiridos no futebol são vários. O tae kwon do ajudou Ibrahimovic com sua flexibilidade de movimentos. Rogério Ceni jogou tênis e vôlei quando estava no ensino fundamental.

Diferentes esportes desenvolvem diferentes coordenações motoras nas crianças. E o ganho que elas trazem pode ser aplicado de diferentes maneiras dentro do futebol.

Prevenção de lesões

O Coritiba tem dois históricos interessantes: um bom e outro péssimo. O bom é que costuma revelar e vender atletas das linhas defensivas: Adriano, Rafinha, Miranda, Lucas Mendes, Henrique, Juninho, Yan Couto, só pra citar os principais como exemplo. É tradicional no clube que a defesa seja muito bem trabalhada, e essa especificidade cultural é quase inconsciente. O clube sofre pancadas o tempo todo, vindas de todos os lugares. O torcedor já se acostumou a sofrê-las e isso vai criando casca. O mesmo acontece com os atletas. Não é à toa que a defesa é uma das bases mais sólidas do clube (embora esteja deixando à desejar nos últimos anos).

E o péssimo histórico é o de lesões. Ainda quero fazer esse levantamento, pois não tenho os números em comparação com outros clubes do Brasil, mas tenho a impressão de que, pelo baixo número de jogos que o Coritiba faz, as lesões acontecem em demasia. Há possíveis inúmeros fatores dessas causas, mas, no novo Centro de Treinamentos, a prática multiesportiva nos atletas de base pode ajudar a construir um futuro mais sólido nesse aspecto.

O movimento repetitivo do futebol faz com que o atleta use, desde os 9 ou 10 anos, os mesmo músculos e as mesmas partes do corpo, estressando-as. A visão do Bayern sobre isso é simples: ao praticar outros esportes, a criança desenvolve outros músculos, faz menos esforço e, consequentemente, tem menos lesões. Andreas Kornayer, alemão hoje no Liverpool, tem formação em judô e valoriza “os movimentos dinâmicos que outros esportes usam para auxiliar na prevenção de lesões”⁴.

A construção de uma abordagem multiesportiva nas categorias de base traria um duplo benefício: agregaria na formação dos defensores (que ficariam mais fortes e com maior capacidade motora) e preveniria as lesões no futuro.

CT aberto

O rival Athletico fechou o CT. É quase impossível saber o que acontece lá dentro. Essa é a forma do clube rubro-negro trabalhar. Com origens alemãs, o Coritiba deveria fazer exatamente o contrário: se inspirar um pouco mais no Bayern e abrir o Centro de Treinamentos para seus torcedores. Lá, a torcida acessa gratuitamente e pode assistir aos treinos apreciando uma cervejinha, coisa que ensandeceu Pep Guardiola e fez ele colocar uma cortina preta para que determinados treinos não fossem vistos. Mas é a cultura do clube. E a cultura do Coritiba é aberta, mesmo a atual gestão tentando ir contra essa corrente natural.

Torcida acompanha sessão de treinamentos no CT do Bayern

Claro, o ambiente precisa ser controlado e as regras do local precisam serem seguidas. Ninguém pode atrapalhar ou gritar. É um ambiente de trabalho. É difícil pensar numa cultura assim no Brasil, mas se tem um lugar que essa cultura pode ser iniciada, é no Coritiba: nos últimos anos o clube promoveu treinos abertos no Couto Pereira para determinados jogos-chave.

O CT será da SAF, mas levará o nome do Coritiba, e se o Coritiba usará dele, então a torcida precisa estar presente. A comunidade coxa-branca precisa participar de todos os momentos. O clube precisa criar um senso de pertencimento. Por que não criar um translado Couto Pereira /CT em um ou dois dias da semana para seus sócios? O Coxa precisa pensar fora do que é feito atualmente. Precisa mudar.

Cultura anti-machista

Se você leu atentamente, viu que indaguei sobre uma cultura anti-machista no CT e no clube como um todo, isso porque a cultura machista ainda está presente. É a primeira vez que estou escrevendo sobre isso, e por isso decidi preservar os nomes dos/das envolvidos/envolvidas. Quando trabalhei lá, em 2014 e 2015, presenciei e soube de inúmeros episódios machistas, tanto de funcionários/líderes/atletas para com funcionárias, e também de atletas para com funcionárias e mulheres da imprensa. Não foi uma ou duas vezes que ouvi atletas (alguns casados) pedirem para apresentarem mulheres que chegavam à sala de imprensa a eles. Uma vez escutei: “o foda é que se eu for dar entrevista pra ela, vou querer comer”.

Isso não acabou. Recentemente existiu mais um caso envolvendo um profissional do futebol, que solicitou que funcionárias parassem de frequentar o CT porque elas estavam atrapalhando na concentração dos atletas durante os treinos. O mesmo já tinha acontecido com outros profissionais do futebol e outras funcionárias antes de eu começar a trabalhar no clube.

Então, como atletas dos times masculino e feminino (incluindo categoria profissional e de base) vão poder conviver em harmonia num ambiente assim? Quem trabalhar no CT (e o número de funcionários provavelmente triplicará ou quadruplicará, dado o tamanho do lugar e os novos processos e categorias que serão instaurados) deverá saber conviver em sociedade e sob regras rígidas. O CT será uma mini cidade e o respeito deverá prevalecer e ser obrigatório, o que é o mínimo. Crianças e adultos conviverão no mesmo lugar e atletas, dirigentes e funcionários deverão ser exemplos 24 horas por dia. A responsabilidade do Coritiba para com as pessoas aumentará muito e, por isso, é essencial que a cultura anti-machista passe a vigorar no Coritiba.

Diferente e único

O Coritiba precisa ser diferente e único e a Treecorp precisa se inspirar em clubes europeus com características parecidas com as do Coxa. Pegar elementos ali e aqui de projetos bem sucedidos para implementar no novo projeto do Coritiba e, assim, transformar o clube em único no Brasil. O Coritiba pode ser diferente e pode inspirar. O clube não vai ser nunca o maior clube do Brasil. O clube não vai ter a maior torcida ou uma projeção nacional. O Coxa é completamente diferente de Corinthians, Flamengo, Fortaleza ou Athletico. O que é melhor? Jogar com posse de bola ou jogar baseado em contra-ataque? Jogar com 3 ou 4 zagueiros? Para um clube um jeito será melhor que o outro. Uma jeito de gerir pode funcionar em uma empresa e não funcionar em outra. A empresa (aqui, o clube) é quem precisará escolher o que é bom para ela e o que a fará torná-la única e bem vista no mercado, perante imprensa e até mesmo perante seus torcedores. O clube hoje está com medo. Precisa ousar, sonhar e buscar realizar.

Indagar sobre colocar outros esportes dentro da dinâmica do CT não é deixar de lado o futebol. Pelo contrário! É priorizar ainda mais o esporte e o desenvolvimentos dos atletas alviverdes.

Assim como Athletic Bilbao ou o Lyon, o Coxa tem uma base de torcedores com alto poder de consumo em uma única localidade regional, e precisa priorizar e fidelizar essa base. Na partida são 11 contra 11 e são só 40 mil pessoas de um universo de 1 milhão que precisam ir todo o jogo dispostos a serem, pra usar o clichê, o 12º jogador em campo. Dá pra ser campeão, dá pra revelar, dá pra criar uma cultura vencedora e tradicional e dá, principalmente, para o clube ser o fator principal na construção de seres humanos melhores. Tudo isso em muito menos tempo do que os 25 anos que o Athletico levou. O mundo está globalizado e as oportunidades estão diante da nossa cara para serem agarradas.

Tudo isso passará pelo novo CT e em como ele será usado.

¹,²,³ e ⁴: informações retiradas do livro “A Escola Europeia”, de Daniel Fieldsend, publicado no Brasil pela editora Grande Área.

Três gols em uma só partida: uma breve análise sobre António Oliveira

O Coritiba levou seis gols nos últimos dois jogos: três contra o Operário e três contra o FC Cascavel. Quando teve a oportunidade de explicar os motivos das derrotas para a imprensa e, consequentemente, para a torcida, não o fez. Não sabemos qual a leitura tática que Oliveira teve sobre as derrotas porque ele decidiu não expor seus pensamentos nas coletivas de imprensa. As últimas duas foram recheadas de respostas vagas e repetidas, como “o adversário foi melhor que a gente” (em quais aspectos?) ou “faço isso de aprendizado” (mas qual é o aprendizado?). Aqui abordaremos apenas conteúdo, mas encerro o parágrafo citando que, pessoalmente, não gostei da postura do treinador nas últimas coletivas: na primeira, apenas ódio. Na segunda, desdém. Mas esse é um assunto para o Twitter. Aqui falaremos de números.

O único dado concreto que António Oliveira soltou na última coletiva me chamou a atenção e, como é estatística, eu pego esse recorte para abordar aqui. Disse ele:

“Se vocês forem ver o meu histórico, enquanto treinador, é difícil as minhas equipes levarem três gols, quanto mais seis em dois jogos”

António oliveira, técnico do coritiba, após a derrota para o fc cascavel por 3 a 1 pelo primeiro jogo das quartas de final do paranaense 2023

Pois bem. Eu fui atrás do histórico de António Oliveira. São 93 jogos como treinador e ele está certo: tinha sofrido três ou mais gols numa mesma partida em apenas três ocasiões. Com as duas últimas derrotas, agora são cinco jogos. Ou seja, sofreu três ou mais gols em apenas 5,38% dos jogos na carreira.

Mas não podemos olhar apenas para os times de António Oliveira. Se vamos pegar o histórico, temos que comparar com alguma coisa, e o universo escolhido aqui foi o de treinadores da Série A do Brasileirão. E, sim, ele continua tendo um número fantástico em relação a esse aspecto por si só: está atrás apenas do conterrâneo Abel Ferreira (que sofreu três ou mais gols em apenas quatro dos últimos 93 jogos) e Fernando Lázaro (que iniciou a carreira como técnico agora e, portanto, ainda não sofreu três ou mais gols nos primeiros 16 jogos nesta função).

Só que analisar apenas este aspecto é muito raso. E se fizermos ao contrário? E se pegarmos o número de vezes que os times de António Oliveira fizeram, em uma única partida, três ou mais gols? Nunca é demais lembrar que a diferença de três gols é exatamente o que o Coritiba do técnico português precisa para avançar às semis do Paranaense.

Em 11 dos últimos 93 jogos o time de Oliveira fez três ou mais gols numa mesma partida. Ou, em termos percentuais, 11,8% dos jogos. Muito? Pouco? Se levarmos em consideração o placar que o Coritiba precisa fazer para se classificar (3×0, 4×1, 5×2, etc), o número de jogos reduz para seis em 93.

Mais uma vez, abrimos o leque e levamos em consideração os últimos 93 jogos dos outros 19 técnicos do Brasileirão. Fazendo isso, descobrimos que Oliveira é o terceiro técnico que menos faz três ou mais gols num único jogo. Está atrás apenas de mais um conterrâneo, Pedro Caixinha e, claro de Fernando Lázaro, que apesar de ter apenas 16 jogos na carreira já fez três ou mais gols numa mesma partida em seis ocasiões (ou seja, em 37,5% dos jogos). Abel Ferreira, que está próximo de Oliveira quando falamos de três ou mais gols sofridos, está muito proporcionalmente distante quando o assunto é três ou mais gols feitos: é o terceiro, com 26 dos últimos 93 jogos vencidos com essa quantidade de gols.

Há, por fim, um fator clássico – mas que é sempre bom explanar – a ser analisado: o aproveitamento no período. O técnico do Coritiba tem, se comparado com os últimos 93 jogos dos companheiros de profissão da Série A, o quinto pior aproveitamento (49,1%).

Verifica-se aqui um certo padrão. Não é regra (até porque há inúmeros outros dados para que cada técnico tenha esse aproveitamento: time no qual está, país do time, estado do time, competições que joga, taxa de ocupação do estádio, desfalques por lesões, e assim vai), mas, no geral, tende a ter um melhor aproveitamento quem tem um saldo melhor entre jogos com três ou mais gols feitos e jogos com três ou mais gols sofridos. Há também técnicos com bom aproveitamento que tem uma quantidade muito maior de jogos nos dois quesitos, como Fernando Diniz (Fluminense), Mano Menezes (Internacional) e Renato Paiva (Bahia).

Analisando apenas esses dados e vendo os jogos de António Oliveira, me parece ser um técnico com feitio mais conservador. No último gráfico podemos ver que António Oliveira é o treinador (exceto Fernando Lázaro, claro) com a menor quantidade de jogos em que fez ou sofreu três ou mais gols (gráfico nas cores verde e vermelha), o que corrobora a tese. Prefere não arriscar tanto no ataque e manter uma defesa mais sólida, saindo em transição rápido (vulgo contra-ataque). Quando tem o placar de um ou dois gols à favor, prefere manter uma postura defensiva e sem sustos.

Só que, para classificar para a semifinal do Estadual, António precisará montar um time que corra riscos. Como eu disse acima, há inúmeros outros fatores que podem fazer com que António consiga a classificação. Por exemplo, se fizer um gol no começo, a tendência é que a torcida empurre o time.

Mas, estatisticamente falando, Oliveira é o segundo técnico entre os times da Série A que menos fez três ou mais gols numa só partida (fez apenas em 11,83% dos jogos de sua carreira). Será preciso se agarrar ao peso da camisa, ao fator casa, ao investimento feito no elenco e a esse pequeno percentual.

A falta de um conceito institucional no Coritiba.

O Coritiba apresentou (chegaremos ao “para quem” lá no final) a proposta do novo escudo do clube. Já de cara adianto que não vou entrar a fundo nos méritos da beleza da imagem. Pra matar esse assunto logo, a proposta era modernizar e se adequar ao conceito minimalista. É minimalista, mas não modernizou. As linhas são antigas e ficou faltando um algo mais (coloquei no Twitter a minha ideia do que talves seja esse algo a mais). Se for aprovado, beleza, não é feio. É bonito, mas não é impactante. Não quebra um status quo. Mas essa é apenas a minha opinião. Conversei com duas pessoas renomadas na área de branding aqui do Rio de Janeiro que elogiaram absolutamente tudo. A fundamentação da criação do escudo e dos porquês de cada elemento é perfeita. Como proposta de escudo, e apenas de escudo, está muito boa.

Reproduções da aplicação do novo escudo em uniforme e bandeira

Aqui entrarei em outro mérito: o de conceito de instituição. Com o novo escudo, eu esperava que o Coritiba anunciasse todo um conceito de futuro para o clube: missão, visão, objetivos, pilares, metas. Não foi o que aconteceu. Apesar dos mesmos mantras das últimas duas décadas serem repetidos (“uma nova era”, “um novo Coritiba”), o trabalho para aplicar – de fato – este desejo ainda não existe.

  • O Coritiba não sabe o que quer

Citarei aqui com frequência o Athletico, por ser o clube de futebol que melhor criou um conceito de instituição no Brasil. Se perguntarmos a três funcionários do Furacão o que o clube quer, a resposta será a mesma: ser campeão mundial. Mesmo sendo um clube regional, mesmo não tendo uma torcida nacional, essa é a maior ambição do clube rubro-negro (e demostra bem os valores da instituição). Agora, se perguntarmos para três funcionários do Coxa o que o clube quer, que resposta teremos? Ser campeão de alguma coisa? Ficar na Série A? Conquistar 25 vitórias consecutivas? Fazer a maior venda de jogador da história do futebol paranaense? Ninguém sabe. Se ouvirmos alguma resposta além do “não sei” elas provavelmente serão diferentes uma das outras.

Abrindo o espaço para um achismo particular, a missão do Coritiba deveria ser: “Ser o primeiro paranaense a vencer uma Libertadores”. O Athletico teve a chance dele, e se a vez do Coritiba for agora? Por que não? Colocando uma meta clara, todo mundo (torcida, diretoria, patrocinadores, atletas, comissão técnicas e funcionários) trabalharia com foco total para que o clube conquistasse esse objetivo. Aqui está a diferença entre uma empresa que quer crescer no ambiente em que está inserida e ser reconhecida nele e uma que só existe para, no máximo, dar lucro e sobreviver dia após dia.

A mesma obsessão que a torcida do Coritiba tem pelo clube (lotando estádio mesmo na pior fase da história, por exemplo) o próprio Coritiba não tem para si. Com frequência vejo o torcedor coxa-branca falar: “imagina o que não vamos fazer quando ganharmos uma final assim”. O torcedor quer, mas o clube tem medo de verbalizar e matar no peito essa meta. E eu já explico, no meu ver, o que ocasiona esse medo.

  • O terceiro pilar do contexto do escudo: no topo do mundo

Na apresentação da proposta do novo escudo há a seguinte citação:

Reprodução do documento de apresentação do novo escudo

É este o objetivo máximo do clube como instituição, então? Colocar o Coritiba no topo do mundo significa transformá-lo em campeão mundial de clubes? Mas… em quanto tempo? Ou seria fazer com que o clube conquiste novamente o recorde mundial de vitórias?

O atual presidente (até onde se sabe, interino), Glenn Stenger, disse, em relação ao terceiro pilar do escudo, a seguinte frase em entrevista ao ge.globo: “Essa esfera que representará o novo símbolo mostra a participação do Coritiba no globo”. O que é essa participação? Vender jogadores para diferentes equipes estrangeiras? Fazer com que o Coritiba seja conhecido em todos os países?

O mais próximo de um objetivo do Coritiba nesta apresentação está nesta parte, e ainda é uma citação tão obtusa e desprovida de clareza que não pode ser considerada um norte para o trabalho. Se for algo nesse sentido de conquista de troféu é extramemente arrojado, e necessita de muito tempo.

  • As mesmas palavras sem paixão

“É a modernização aliada à tradição do Coritiba”. Esta foi mais uma frase do presidente Stenger ao ge.globo. Afinal, o que é tradição? Pra mim a tradição do Coritiba tem muito mais a ver com a obsessão da torcida e do pioneirismo: ser o primeiro clube do Paraná, ser o primeiro campeão brasileiro, ser o primeiro no Paraná a construir um estádio com recursos próprios, ser o primeiro tetracampeão paranaense, ser o primeiro time do Brasil com duas listras horizontais na camisa. Essa ambição de ser o primeiro, aliás, foi o que fez com que o Coritiba atingisse o tamanho que tem hoje. O Coritiba era ambicioso na maioria das décadas do século XX. Quebrava o status quo, fazia excursão para fora do Brasil enquanto todo mundo ficava só nas disputas dos Estaduais. Foi um dos primeiros times do Brasil a aceitar atletas pretos na equipe. Só que no século XXI a situação se inverteu, e o ambicioso passou a ser, como sabemos, o Athletico.

As recorrentes mesmas palavras dos dirigentes do Coritiba mostram que a teoria vem antes da prática, e o clube não consegue se desapegar do usual. Por isso ninguém fala com clareza onde o Coritiba quer chegar: o Coxa como um todo não arrisca, e não arrisca porque tem medo de fracassar. Tendo medo de fracassar, naturalmente não conquista mais nada. É uma sina que precisa ser quebrada. Vamos a mais uma citação de Stenger ao ge.globo: “Precisamos ver o Coritiba, num futuro próximo, com alguma dimensão e posicionamento diferente. E talvez com conquistas até superiores à estrela que já tivemos. Nós temos a intenção, a ideia de fazer com que o Coritiba sempre busque mais. Nós temos que buscar ainda mais do que nós já buscamos num passado não muito distante”. Em nenhum momento o presidente declara abertamente o que quer conquistar. É o medo de arriscar e, caso falhe, de virar chacota. E é sempre bom lembrar que de boas intenções o inferno está cheio.

Vamos lá. Não é só Glenn Stenger que falou assim: Renato Follador, Juarez Silva, Samir Namur, Rogério Bacellar, Vilson Ribeiro de Andrade, pra citar só os últimos. Todos sempre falaram em grandes conquistas e crescimento do clube sem deixar claro exatamente o que conquistar pra que esse crescimento ocorresse. Destes, apenas Juarez e Vilson declararam abertamente objetivos no âmbito do futebol: em 2011 o então presidente Ribeiro de Andrade disse que era um objetivo interno do Coritiba chegar à final da Copa do Brasil. Em 2021 o presidente Moraes e Silva disse ao ge.globo que o Coritiba precisava voltar a ser campeão brasileiro. Ser campeão brasileiro, no cenário atual, deve ser uma meta do Coxa? Eu acredito que não.

São sempre palavras da moda, sem clareza e sem objetividade. Não há paixão na fala, e sem paixão não existe o contágio no torcedor. Sem contágio, não há crença e sem crença não há mais títulos importantes para se aspirar. Crescer é consequência: o que e como fazer faz toda a diferença. A mentalidade vencedora e contagiante mais próxima que tivemos foi, em 2011 e 2012, com Vilson Ribeiro de Andrade, e em 2020 e 2021, com Renato Follador. Os outros sempre me pareceram burocráticos, e burocracia não vence num esporte que é, acima de tudo, emocional.

  • Profissionalização: uma teoria sem aplicação

Na parte superior da proposta do novo escudo os seguintes dizeres aparecem:

Reprodução do documento de apresentação do novo escudo

Qual a nova forma de se comunicar com o torcedor? Está escrito: o clube mostra que tem como prioridade o bom relacionamento com os sócios. Para elucidar este tópico, cito mais uma frase do atual presidente: “Trazer um novo Coritiba para o nosso torcedor, pro nosso associado. Como é que a gente faz isso? Modernizando, aprimorando (…), fazendo a coisa sempre ficar mais profissional e menos personalizada.”

Falemos especificamente do evento que apresentou a proposta do novo escudo: temos um grande problema – gritante, eu diria – entre a teoria e a prática.

Foram convidados para o evento apenas influencers e alguns sócios. Nada contra eles, aliás, pois gosto muito de como pensam e se posicionam a maioria. No evento aconteceu todo o detalhamento e explicação da mudança de escudo, tanto por parte da direção administrativa do Coritiba, quanto por parte da empresa contratada para desenvolver o novo símbolo. Não foi disponibilizado um vídeo completo com essas explicações ao sócio. Isso é ser mais profissional ou é uma situação mais personalizada? Não há problema em convidar um seleto grupo de torcedores para um evento como este, mas há problema quando a mesma informação não chega para todos os outros torcedores. Se o clube quer se modernizar, por que não fazer uma transmissão ao vivo do evento que pudesse ser acessada diretamente da área de sócios do site? Por que não colocar em prática um modelo de comunicação atual e moderno? Isso já foi feito antes e poderia ser feito novamente. Por que não foi feito? Então, onde está a prioridade em relação ao sócio? Ou seriam só para alguns sócios? Sendo para alguns sócios, o clube assume que há torcedores mais importantes que outros, mesmo estando na mesma classe de associados?

Para o restante dos sócios foi disponibilizado apenas um PDF com o projeto. É muito frio. Disponibilizar um documento no site é muito frio, ainda mais precisando-se da maioria dos sócios para aprovar o que foi proposto. PDF este, aliás, que foi vazado pelo menos um dia antes para um torcedor específico. Isso é ser mais profissional ou é um relacionamento personalizado?

Se eu quiser relembrar como aconteceu a criação do conceito completo de marca do Athletico, por exemplo, eu consigo. Em uma hora de apresentação, Petraglia e representante da agência contratada para fazer o branding do Athletico explicam detalhamente todo o processo e toda metologia. A apresentação foi transmitida ao vivo para quem quisesse ver e está no Youtube do clube rubro-negro para quem queira relembrar. Mas os sócios do Coritiba têm acesso apenas ao frio e distante powerpoint. Pergunto pela terceira vez: isso é priorizar relacionamento com o sócio e com a torcida?

Se em uma mudança tão grande quanto a mudança de escudo acontecem esses problemas, como vou confiar de que a atual gestão do Coritiba caminha para a real profissionalização? As informações de dentro do clube chegam (quando chegam!) tortas para os torcedores alviverdes. Se realmente existe uma nova forma de se comunicar com o torcedor, essa forma precisa de readequações e revisões.

Atualização:

Enquanto este texto era escrito uma nova live para todos os torcedores do Coritiba foi feita para todos os torcedores do Coritiba, com explicações de três dos responsáveis da Candy Shop pelo projeto e com o gerente de mercado do Coritiba. Toda a explicação em vídeo do material disponibilizado está aqui. Ressalto que gostaria de ver o presidente do Coritiba falando, mas gostei muito desta live ter sido feita – ainda que posteriormente e de maneira atrasada.

  • O escudo de uma gestão

Eu votei na Coritiba Ideal, acreditei no projeto e sigo acreditando que o clube como um todo possa ser profissional. Mas a direção precisa abandonar as mesmas frases de efeito que não levam a lugar algum. Precisa de modelo, de incentivar o diferente, estabelecer processos e criar metas claras.

O novo escudo não é uma ruptura entre o antigo e o novo Coritiba: é uma tentativa de legado de uma gestão. Assim como Vilson Ribeiro de Andrade deixou dois vices da Copa do Brasil no seu primeiro ano de mandato e um novo setor do Couto Pereira no segundo; assim como Rogério Bacellar contratou Kleber Gladiador e inaugurou duas novas salas de imprensa; assim como Samir Namur tentou fazer uma gestão de responsabilidade fiscal (que não deu certo); o novo escudo – da forma como foi apresentado – é apenas um dos possíveis legados de uma gestão. E isso está explicitado no documento. Não faz parte de um todo.

Ainda aguardo pela apresentação do conceito do Coritiba como instituição, com missão, visão, valores e objetivos claros, com proposta de DNA no futebol coerente, com estabelecimento de metas reais de modernização e com todo o clube trabalhando em sintonia, buscando o mesmo norte. Enquanto isso não acontece – e ainda tenho esperanças de que aconteça – será só a mudança pela mudança.

Não uma mudança pelo Coritiba, mas uma mudança para agradar o mercado. É isso que queremos? Apenas agradar o mercado?

Para encerrar, não quero aqui parecer arrogante. Espero que não levem pro pessoal. Esta é uma crítica ao modelo, à forma, à postura e à mesmice. E também uma forma quase que desesperada de ver algo correto acontecer. Quero poder fazer parte de algo grandioso, e que milhões de outras pessoas façam parte deste algo. O caminho percorrido pela atual gestão – ainda que com quês de profissionalização em alguns setores – é muito parecido com o que está sendo percorrido desde a década de 90. O olhar não está expandido e o comodismo ainda é claro.

Sem fazer com que a torcida se apaixone por um projeto vencedor cristalino do Coritiba (como queria e tentava Renato Follador), aviso: dificilmente uma votação como essa será vencida. O Coritiba precisa contagiar todo mundo, além até mesmo dos seus próprios torcedores, e não só uma pequena parcela de pessoas.

Eu sou a favor da mudança de escudo. Sempre fui! Só que essa mudança precisa estar contextualizada em algo maior para a instituição.

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